segunda-feira, 20 de março de 2017

SABER

Ele respeitava muito
o meu saber que aos
seus olhos me envolvia
como uma veste
 consagrada
e eu fazia de modo
que os numerosos
buracos não fossem
mais visíveis a oficina
do canteiro.


LIVROS

Porque as pessoas não se hão - de
entender com os livros ?
Muitas vezes são inteligentes
como os homens tão divertidos
como eles  e menos impertinentes .

FELICIDADE

A felicidade è um como ,
não um quê .


GUERRA

Certamente têm razão
aqueles que definem
a guerra como o estado
primitivo e natural .

Enquanto o homem
for um animal viverá
por meio de luta e à
custa dos outros e odiará
o próximo

a vida portanto è guerra .



INCRÌVEL

INCRÍVEL

È incrível como as pessoas
gastam tanto tempo a combater
o diabo .

Se gastassem a mesma energia
a amar os seus semelhantes

o diabo morreria
nas suas próprias
faixas de tédio


domingo, 19 de março de 2017

Amor

AMOR

Sem amor por si mesmo
o amor pelos outros não
è possível .

O ódio por si mesmo
è exactamente idêntico

ao flagrante egoísmo
e no final conduz
ao mesmo isolamento
cruel e ao mesmo tempo
desespero


LIVRO

Ler um livro
è  para o bom
leitor

conhecer a pessoa
e o modo de pensar
de alguém

que lhe è estranho
è procurar compreendê - lo

e sempre que possível
fazer dele um amigo



COMPREENSÃO


Ninguèm pode ver nem
compreender nos outros
o que ele próprio não
tiver vivido









PAZ

A PAZ
não è um estado
primeiro paradisíaco
nem uma forma de convivência
regulada pelo acordo à paz è algo
que não conhecemos

Que apenas buscamos
e imaginamos
A PAZ è o ideal




SOLIDÃO

SOLIDÃO


Solidão è  o modo
que o destino encontra
para levar o homem
a si mesmo







sexta-feira, 17 de março de 2017

Desde o Chão

Estreme - se às vezes  desde o chão  ,
por  ter  uma navalha na algibeira :
por  o sexo ser sumptuoso ,
por causa dos buracos luminosos
na camisa  tem - se medo do poder
da nudez . a finura da carne uma
unhada no coração :


O modo de fazer rodar o quarto :
O barulho que se ouve nos canos
onde a água vive - tudo
sob a ameaça de uma riqueza
brusca em nòs , quando um raio
se desencadeia pela coluna
vertebral abaixo , o golpe
entre as madeixas frias ,
toca - se na cama :
e nunca mais se dorme ,
 toca - se onde os pulmões
se cozem à boca para gritar ,
às vezes tem - se o dom de
fincar os pès na paisagem
em massa , um feixe
desfeixa - se no avesso
- estala fora , com que
 vozes se encontra a gente
quando
o pavor se faz música
ordem
exercício nominal ?

Arranca - nos a tudo como
se arranca a unha
a um dedo : ou o dedo
à mão
ao gesto
amassando a terra como
se penteia , pente que
reabre a chegada e alastra ,
que aprofunda
como o sangue aprofunda a claridade
pequena
de um lençol , se o lençol
se molha na costura que sangra
perpétuamente  à coroa irrompe
da cabeça pelo ímpeto
da realeza animal , o choque
 de um astro calcinaria tudo
- ceptro que nos crava no mundo
o manto
o escudo
os anèis como nòs nos dedos ,
morre de alta tensão ,
e relâmpago de um troço avistado ,
as voragens à força de janelas ,
ou è Deus que nos olha em cheio ;
Dentro







ABERTURA

Porque eu sou uma abertura ,
porque as noites cruzam os
cometas , porque a minha
pedra com os lados frios
contra as faúlhas ,
porque abre a válvula
e se queima


Alguém com os dedos na cabeça dando
a volta a criança , metendo - lhe mais
força pelo fogo , criança com um
 rastilho :

ou muita resistência na armadura ,
ou peso , ou muita leveza , ou
dulcíssima :

ou fósforo , enxofre , pólvora , sopro ,
a farpa do outro

- e o orifício que traz  para o visível
o segredo : gota

com a trama de pedra calcinada
em torno , a pedra sò abertura
pela potência de um pouco de
 pòlen oculto .

Porque riscam com àscua ,
porque um hausto de sangue
 a ilumina em toda linha
cardíaca . porque as pontas
irrompem do nùcleo do
ouro pequeno .


Coração

È amargo o coração do poema
a mão esquerda
em cima desencadeia
uma estrela
em baixo a outra
mão mexe o charco
branco , feridas que abrem ,
reabrem , cose - as  a noite , recose - as

com linhas incandescentes . Amargo .
O sangue que nunca para de mão
a mão salgada , entre os olhos ,
nos alvéolos da boca .

O sangue que se move nas vozes
magnificando o escuro atrás das coisas ,
os hallos nas imagens de limalhas ,
os espaços ásperos que escreves entre
os meteoros . Cose - te :
brilhas nas cicatrizes . Sò essa mão
que mexes ao alto e a outra mão
que brancamente trabalha
nas superfícies centrifugas . Amargo ,
amargo . Em sangue o exercício
de elegância  bárbara . Atè sentado
ao meio
negro da obra morras
de luz compacta
numa radiação de hélio
rebentes pela sombria
violência
dos núcleos loucos da alma .


  

O AMOR

Não sei como dizer - te
que a minha voz procura
 - te e a atenção começa
a florir quando sucede
a noite esplêndida
e casta .

Não sei o que dizer especialmente

quando os teus pulsos enchem - se
de um brilho precioso e tu
 estremeces com o pensamento
chegado . Quando iniciado
o campo , o centeio imaturo
ondula tocado pelo pressentir
de um tempo distante , e na
terra crescida os homens
entram a vindima , - eu
não sei como dizer - te que
 cem ideias dentro de mim
procuram - te .

Quando as folhas da melancolia
arrefecem com astros ao lado
do espaço o coração è uma
semente inventada no seu
ascético escuro e no seu
 turbilhão de um dia ,
tu arrebatas os caminhos
da minha solidão como
se toda a minha casa
ardesse pousada na noite .

- E então não sei o que dizer
junto a taça de pedra de tão
jovem silêncio quando as
crianças acordam nas luas
espantadas que às vezes
 caem no meio do tempo ,

- no sei como dizer - te que
a pureza dentro de mim ,
procura - te .

Durante a primavera inteira
 aprenda os trevos , a água
sobrenatural , o leve e
abstracto correr do espaço
- e razão , mas quando
a sombra vai a cair
da curva sôfrega dos
meus lábios , sinto
que me falta um
girassol , uma
pedra , uma
ave - ave -
qualquer coisa
extraordinário .

Porque não sei como
dizer - te sem milagres
por dentro de mim è
o sol ,
o fruto ,
a criança ,
a água ,
o deus ,
o leite ,
a mãe ,
o amor ,
que te procura .




quinta-feira, 16 de março de 2017

Ainda

O que  não è ainda está
para ser e que não sendo
excede sempre em íntima
dissonância que perpétua
o mundo para além de nòs
e em nòs abre uma fenda
mas tambèm um espaço
neutro em que a palavra

poderá encontrar
a rosa do possível
sobre o impossível
solo que nega e que
suscita o que o ser
mais deseja è a integridade
de um sentido que envolva
o não sentido que transponha

numa lenta coluna de existência
reunindo a sede e a móvel nascente
que não existe senão no movimento
dos passos sobre o deserto para que
a página se ilumine e a boca respire
o azul do dia mas o poema è
 sobretudo  o movimento do sono
adolescente em que o mundo não
è mais que maresia e os ritmos
das esferas o rolar de uma bola
de esterco que um escaravelho
empurra



Palavra

Hà palavras que esperam
que o branco as desnude
para se tornarem transparentes
e vazias a delicadeza da lâmpada
è uma oferenda do olvido a folha
flexível è uma luva  vegetal para
mão que oscila como  o abdómen
de uma adolescente à página suscita

a fértil fragilidade de uma caligrafia
que se apaga sobre os sulcos da nave
ai aparece a graciosa metade em que
 cintila o polèn  da límpida abolição

Escrevo para ser contemporâneo
das nuvens para pertencer à pobre
e nua pàtria inerte coberta pelo
violento alfabeto dos clàxons

Escrevo para que se levantem
os pássaros de areia e ao
pulverizarem - se espalhem
a poeira do seu desaparecimento .




Do Mundo

Como uma pena , dou - lhe um nome
de erro entre mim e tudo na mão
amadureço enquanto ela se torna
propícia , amarela ao influxo  do
vento de estrela para estrela o
sangue da mão ensombra a fruta
na sua volta na sua volta de átomos ,
imagem , arquitectura .

E o espaço que isto cria : a noite
aparece no ar .
E dura  , leve , terra , curva a linha

do fogo entre cruza  os pontos paralelos :
a pêra desde o esplendor , a mão desde
o equilíbrio , os centros do sistema
geral do corpo , o buraco negro .
Morro ?

Escrevo apenas , e o hausto aspira dedos
e pêra , enigma e sentido , ordem , peso ,
o papel aonde assenta a constelação
do mundo com esse buraco negro
e as palavras em torno no instante
externo de desaparecerem .

Se morro è por exemplo .